MICHEL HOUELLEBECQ |
Houellebecq é um autor polêmico
que alinha sua mira afiada sobre o declínio da civilização ocidental na
pós-modernidade, quando os humanos começam a perceber que a substituição de
Deus e da religião pela ciência e pela racionalidade não conseguiu realizar nem
a promessa de descobrir o sentido da vida, nem tampouco a de descobrir a
fórmula da felicidade. Com exceção de “O
Mapa e o Território”, que acabou de ser lançado no Brasil, li toda a sua
obra traduzida para o português : Extensão
do Domínio da Luta; Plataforma; A Possibilidade de Uma Ilha; Partículas
Elementares. Em todos eles percebo no autor os traços desta decepção
pós-moderna, de uma melancolia que, como diria Emil Cioran, é bem mais branda
que a tristeza, pois carece de um objeto externo específico, porém é mais
duradoura, pela falta mesma de objeto específico. A melancolia é um processo
solitário, interno, que só pode deixar-se entrever nas atitudes e na escrita de
quem a possui. Vejo na obra de Houellebecq, um eixo tripartite que trespassa
seus romances de forma inequívoca : 1) A decepção com a pós-modernidade, 2) A decepção
com o hedonismo, sobretudo sexual e 3) A esperança de uma reforma do humano
através da engenharia genética e das técnicas de clonagem.
Sua escrita chega a ser brutal em
alguns momentos e alguns críticos execram a sexualidade explícita e exacerbada
de parte de suas tramas, mas penso que este tipo de análise é absolutamente
superficial, com laivos da pandemia do Politicamente Correto que se espalha
pelo globo terrestre nas últimas décadas : Não há obscenidade maior,
pornografia perversa mais elaborada do que aceitarmos placidamente que um
comediante saia algemado de uma casa de espetáculos porque contou uma “piada
preconceituosa” e um assassino confesso saia pela porta da frente de uma
delegacia, com direito à entrevista na televisão para que ele dê sua “visão de
mundo” e sua versão dos acontecimentos que o levou a matar uma pessoa para
roubar.
Vivemos em tempos em que os
sentidos são cada vez mais transitórios com scripts ordinários como os velhos pulp - fiction dos anos 50, encenando
num teatro de marionetes uma peça de mal gosto, sob os cordames do Mercado e
pelas mãos de um titereteiro pusilânime chamado Estado.
Partículas Elementares conta a
história de dois meio-irmãos por parte de uma mãe hippie, Michel e Bruno que se encontram apenas na adolescência e empreendem
buscas pessoais em direções bastante distintas do cenário da vida humana : o
primeiro é biólogo, gênio em matemática, pesquisador, racional e determinado,
que vive uma vida pessoal prosaica, onde sua libido não consegue encontrar
forma de expressão senão pela sublimação intelectual. Já Bruno, professor de literatura, busca encontrar no prazer sexual o Graal que irá perseguir
em aventuras cada vez mais inconseqüentes.
Enquanto Michel, que era obcecado
pela idéia de reprodução humana sem
sexo e por clonagem celular (sua busca pelas Partículas Elementares da vida), resolve se demitir do instituto de pesquisa
em que trabalhava para retomar um antigo projeto genético abandonado logo no
início de sua carreira, Bruno tem uma
crise depressiva após uma tentativa frustrada de sedução de uma de suas alunas
e acaba se internando em uma clínica para tratamento psiquiátrico. Os irmãos se
encontram em vários momentos e embora estejam ambos passando por crises pessoais intensas, o diálogo entre eles é quase surreal, tamanha a distância
aparente de suas visões da vida e suas buscas pessoais.
É interessante observar
que no desenrolar da trama, estas duas personagens, com suas respectivas
libidos apontadas em direções opostas, caminham rumo ao mesmo destino : a decepção e a impossibilidade de redenção da própria vida.
Michel
reencontra Annabelle, uma antiga paixão pela qual só havia desenvolvido um
relacionamento platônico e começa um esboço de relacionamento amoroso, frente
sua total inadequação ao contato físico e à expressão de seus sentimentos. Ao
mesmo tempo, resolve voltar à Irlanda, onde desenvolvera seu projeto de
clonagem de células humanas que acabara por abandonar prematuramente. Bruno
resolve abandonar sua mulher, por quem já não conseguia mais sentir atração
sexual, e se aventurar num acampamento de nudismo em busca de experiências
sexuais que o excitassem. Neste acampamento, após inúmeras frustrações, conhece
Christiane, com quem acaba por ter um tórrido romance que se estende para a
vida além do acampamento. Christiane conduz Bruno à sua vida de devassidão
sexual, em clubes de swing e sexo grupal, trazendo todo o estímulo que ele
tanto buscava.
Ao mesmo tempo, Michel, de volta à Irlanda, tem a notícia de que
seu trabalho não fora interrompido, mas ao contrário, frutificara, pois outros
pesquisadores haviam confirmado seus cálculos que abriam novos caminhos para a
humanidade, não apenas da reprodução sem a necessidade do intercurso sexual,
mas a possibilidade de se estender para várias partes do corpo a presença dos
receptores responsáveis pelo prazer sexual (corpúsculos de Krause), que
normalmente se encontram mais concentrados apenas em pontos específicos da
genitália feminina e masculina.
CORPÚSCULO DE KRAUSE |
Partículas Elementares ganhou em 2006 uma versão alemã para o cinema que merece ser vista, mesmo após ler o livro, pois além de uma adaptação magistral, conta com um elenco excelente que parece ter saído diretamente da imaginação de Houellebecq.
O final do livro é surpreendente e funde,a meu ver de maneira brilhante, a tragédia e a esperança, que acabam de certa forma aparecendo em outras obras do autor.
"PARTÍCULAS ELEMENTARES" - MICHEL HOUELLEBECQ - EDITORA SULINA - 340 PÁGINAS.
Realmente é um filme de arrancar o fôlego, por sua coragem em desmascarar a sexualidade e o desejo pelo prazer tão frugal mas que parece eterno. Não sei se compreendi bem a intenção do autor, mas a meu ver,parece que o humano em tudo o quê faz, pensa e cria,no fundo busca esse àtimo de prazer orgásmico que move o mundo.
ResponderExcluirPenso que se a introdução ao prazer fôsse totalmente racional, levando-se em conta o àtimo de tempo,haveria menos pessoas no mundo. O "nublado", onde não há pensamentos nem racionalidade,é o responsável pela procriação tanto animal como humana. Se alguma alteração fôsse feita nos gens responsáveis por isso, acredito que seria o fim da humanidade.Sem prazer não haveria sexo nem desejo, e essa é a armadilha que envolve todos os seres, inclusive os humanos. Ótimo texto!
Completando : NA BUSCA DO PRAZER E DENTRO DELE,BURROS E INTELIGENTES SE IGUALAM"
ResponderExcluirPenso que a necessidade de prazer cresce na proporção inversa à do sentido da vida. O fracasso da religião e da ciência em prover um sentido para a vida humana culmina com a busca desenfreada pelo hedonismo, seja no consumo ou no sexo, pois se não há qualquer razão para se estar vivo e se a vida é tão absolutamente acidental e fatalmente passageira, porque viver se não houver algum tipo de compensação, ainda que ilusória ? O problema é que como humanos, somos também limitados no que diz respeito ao prazer : são pouquíssimas as sensações de prazer, muito efêmeras e facilmente saturáveis. Daí entra a capacidade imaginativa humana que funciona como a amônia que potencializa a liberação de nicotina na fabricação dos cigarros : o orgasmo sexual normal já não basta, busca-se na fantasia a possibilidade de aumentá-lo (alguns pagam esse exercício com a própria vida). Resumindo, penso que o argumento do autor nos leva a um beco sem saída dentro das atuais possibilidades humanas, mas abre uma possibilidade no mínimo interessante : a da engenharia genética como possibilidade de reforma do humano, da criação de um outro ser, diferente do que existe hoje. Em outras palavras, penso que o autor é cético em relação às transformações da sociedade e do humano tal como ele é, pois se a primeira "corrompe" o segundo,é este segundo que possibilita e engendra a primeira, logo temos um círculo vicioso que só pode ser quebrado com a transformação do humano, para que o novo humano forme uma nova sociedade. No filme isto não fica tão claro quanto no livro.
ExcluirAcredito no mesmo que o autor. Algo saiu errado na construção do humano!!!!
ExcluirMas mexer pode dar no pior!!!
Estive refletindo sobre o desejo e o prazer e algumas questões me surgiram:
ResponderExcluir-Tanto os humanos como os animais, têm o mesmo comportamento em relação ao sexo.
-Se o propósito único é procriação, quais os valores reais e particulares à cada espécie que determinam o acasalamento tantos de humanos como de animais?
-É uma regra subscrita dos gens?
Creio que existe um determinismo anterior ao conhecimento, capaz de se sobrepor à realidade de valores criados pelo homem, porque mesmo sendo conhecedor de todos os desdobramentos que surgirão após uma nova vida,mesmo assim,ele cede à natureza o que me faz questionar sobre a capacidade de escolha mesmo do mais inteligente dos mortais.Tantos anos tem se passado desde a imbecilidade humana até os dias atuais,mas a reprodução irresponsável, continua igual. O que você acha disso?
-
Sem entrar na discussão das causas primeiras, ou seja, qual é a causa original que tudo causou e não foi causada por nada (se é que isto existe para além de nossa lógica humana), existem abordagens que afirmam que o único papel do gene é replicar a si mesmo o maior número de vezes que for possível e que é este algoritmo ou programa informacional do gene que garante a continuidade da vida em suas mais diversas formas. Ainda segundo estas abordagens, os organismos, que são agregados genéticos, incluindo os humanos, nada mais são do que "máquinas a serviço dos genes". Bem, se isso é assim, a reprodução é o principal e inequívoco objetivo de qualquer organismo, pois é através dela, que os genes se replicam. Neste sentido, o ambiente, os ecossistemas e a interação destes organismos serão responsáveis pela mediação, pelo equilíbrio e pela coexistência ou extinção destes organismos através da mecânica da seleção natural. Não creio que haja um conjunto de "valores" para cada espécie que determinem seu acasalamento, mas apenas uma programação genética que os faz buscar a reprodução como buscam o alimento e a proteção. No caso dos humanos contudo, penso que a mecânica é bem mais complexa, pelo tipo de consciência que esta espécie dispõe que é capaz de INTERROMPER A PROGRAMAÇÃO DO GENE ! Esta é uma de nossas maiores habilidades - não fazer o que estamos geneticamente programados para fazer.
ExcluirAinda bem, porque na ausência de predadores naturais, cura das doenças e aumento da longevidade, teríamos que ter uma forma de interromper a reprodução em escala geométrica, sob pena de aniquilarmos toda a espécie. Daí o planejamento familiar, as políticas de redução de natalidade, etc...
A segunda habilidade, conquistada através da tecnologia é alterar a própria constituição do gene. Se estas habilidades são também características latentes de nossos genes humanos - a de interromper ou recriar a si mesmo - ou se esta característica é um tipo de "emergência" não prevista, creio que somente o tempo e a ciência poderão revelar. O que me parece inevitável no entanto, e que serve para qualquer espécie, é que quando uma espécie perde a auto-regulação, o ambiente se encarrega de reduzi-la ou extingui-la totalmente.
Gostei muito da sua resposta. Me parece lógica e finalista sobre qualquer dúvida a respeito da procriação.
ExcluirExcelente análise! Estou terminando de ler e o sentimento sombrio que me toma ao finalizar estas páginas é inexplicável. Michel é sensível, pontual e bastante preciso ao falar da involução que a espécie entrou a partir do momento em que resolveu trocar as antigas bases da religião pela ciência e a busca da felicidade através da sexualidade exarcebada. Este com certeza é apenas o primeiro dos livros dele que tenho tido o prazer de ler.
ResponderExcluirEu penso que a vida não se transmite só pela genética. Já li comentário de pesquisadores dessa ciência dizendo que a quantidade de informações contidas no genoma não é suficiente para formar um novo ser vivo da espécie.O genoma só daria as linhas gerais, faltaria muita coisa.
ResponderExcluirEu penso que a vida não se transmite só pela genética. Já li comentário de pesquisadores dessa ciência dizendo que a quantidade de informações contidas no genoma não é suficiente para formar um novo ser vivo da espécie.O genoma só daria as linhas gerais, faltaria muita coisa.
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