Penso que uma premissa importante
a ser observada por qualquer um que queira aproveitar o mergulho no mundo dos
livros é o desenvolvimento da capacidade de entrega associada à crítica
balanceada das idéias e dos argumentos de cada obra, independente do nível de
identificação com o conjunto delas ou com seus autores. A capacidade de entrega
é necessária para que possamos adentrar o mundo do autor, ou antes, permitir
que o mundo dele entre em nós, tornando-nos parte de seu texto. Esta atitude
diante da literatura em geral é um convite à expansão da experiência interna,
do prazer de alcançar mundos possíveis apenas fora de nossa vivência cotidiana,
sempre limitada. Já no campo dos livros de caráter mais específico, como os
históricos, científicos, biográficos, filosóficos, etc, a resistência a priori a autores e idéias, torna
o que deveria ser um diálogo interno enriquecido por um universo de
possibilidades, numa briga interna que ou nos faz rejeitar a obra toda e
rotular seu autor, ou deixar de aproveitar o que ela tem de melhor – a possibilidade
de refletir a partir de diferentes perspectivas.
Em minha experiência direta como
leitor, raríssimas vezes me deparei com a situação de rejeitar completamente
uma obra, sem retirar dela pelo menos uma idéia ou argumento que merecesse
apreciação, ou de aceitá-la por completo, sem qualquer reparo ou divergência
com o autor. Vivemos em tempos bicudos de fundamentalismo crescente,
partidário, onde as pessoas só podem estar à esquerda ou à direita, à serviço
das velhas oligarquias ou das novas (sem a percepção de que as distinções entre
as velhas e as novas são absolutamente ilusórias). Tempos em que o “índex sagrado”
foi substituído pelo “índex de mercado” – só se edita ou reedita o que tem
demanda (uma demanda criada pela mídia e pela estrutura "educacional" regular) e o que não é reeditado deixa de ser demandado porque torna-se cada vez
menos conhecido. Tempos de adorações ou execrações, de sacrifícios individuais
cada vez maiores para benefícios coletivos cada vez menos evidentes. Enfim, tempos
em que se deixam os argumentos de lado, para se concentrar em ataques “ad hominem”, destruindo ou tentando
destruir a reputação do autor ou do rótulo que ele representa, para não ter que
lidar com a tarefa mais espinhosa de argumentar sobre as idéias.
Nessa direção, penso que a obra “Meu Caminho - Entrevistas com Djénane Kareh Tager” (Editora Bertrand Brasil- 377 págs.) de Edgar Morin, hoje com 90 anos, sintetiza o percurso de um livre
pensador, que nem sempre foi livre, mas que teve a coragem de se entregar às
suas aventuras intelectuais e a humildade de reconhecer seus erros de
julgamento e encantamento, sem contudo renegar qualquer coisa que tivesse um
verdadeiro sentido civilizacional e humano, abandonando de vez o discurso partidário-ideológico.
Finalmente uma nova janela se abre sobre o mar de inutilidades da internet! Parabéns por avançar e deixar para aqueles que pouco especulam sobre o "SABER", uma mensagem de busca para a melhoria das mentes intoxicadas pelas manchetes apeladoras que apenas amargam nossas vidas. Sua nova seguidora.
ResponderExcluirJacy
Obrigado pelo incentivo ! Tentarei retribuir àqueles que tanto me deram através das letras (incluindo você - autora), dividindo um pouco dessa experiência maravilhosa que é a leitura.
ExcluirSinto uma profunda tristeza por saber que a vida dos livros de papel que tanto nos enche de orgulho e prazer em nossas estantes,tem seus dias contados. Quando apalpamos um livro, temos a impressão que a circulação sanguínea do autor pulsa alí em nossas mãos.Os novos aparelhos de leitura, me parecem frios, muito cheios de tecnologia e carentes do pulsar, do calor do seu criador que desenhou letra por letra daquela obra. Pode parecer bobagem, mas é assim que sinto os livros, como algo pulsante. Eu o admiro muito Eliseu, por amar tanto os livros. Sua amiga e seguidora
ResponderExcluirNão ! Não é bobagem !! Embora esse debate sobre o desaparecimento dos livros de papel ainda esteja longe de chegar a uma conclusão, não tenho dúvidas de que no final eles perecerão, tornando-se raridades com o passar dos anos. Sinto o mesmo que você - uma ligação sensorial com o livro para além de seu conteúdo. Gosto de tocá-los, cheirá-los e sentir seu peso e a densidade do papel em minhas mãos. Gosto da sensação de ver as páginas vencidas se quedando para o lado esquerdo da brochura, enquanto que, nos bons livros, as páginas finais lutam em prender sua atenção, detendo a preciosidade do desfecho, como um exército valoroso que foi dizimado, mas que mesmo com o pouco material remanescente, ainda detém o mando do campo de batalha. Fico feliz de pertencer a esta época em que o livro tal como o conhecemos ainda resiste, ao mesmo tempo em que podemos desfrutar das gigantescas facilidades propiciadas pela tecnologia. Será que no futuro os homens serão amantes dos livros eletrônicos, ou estes serão apenas repositórios de informações ?
ResponderExcluirNão sei o que nos aguarda o futuro, mas pelo andar da carruagem, o mundo atual esta com forte tendência a um "resfriamento" geral, tanto de coisas como de pessoas.O velho e bom romantismo arabesco parece estar no fim, dando lugar ao "quadrado gélido".
ExcluirPode ser... contudo enquanto estivermos por aqui, vamos promover os hábitos e crenças que aqueçam a vida das pessoas. Você fez a sua parte ao escrever "A Sala dos Relógios" - um primor de culto à amizade verdadeira e amor ao conhecimento e o "Psiquiatra". Vamos adiante...
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