“O sexo é o consolo daqueles que não tiveram a alma tocada
pelo amor”
Na esteira de Bolaño, li seu
livro de contos “Putas Assassinas”, seguido de outro ícone da literatura latino
americana – Gabriel García Márquez com o seu “Memória de Minhas Putas
Tristes”. Foi interessante fazer uma leitura logo após a outra, porque pude identificar
muito claramente os estilos de ambos os autores e chegar à conclusão que os
dois me agradam igualmente : Enquanto
Bolaño me embebeda com seus devaneios descritivos, Márquez me inebria com suas
histórias de amor – poucos sabem contar uma história de amor como ele.
Dos 13 contos de “Putas
Assassinas” deliciei-me sobretudo com a “Prefiguração de Lalo Cura”- personagem
que reaparecerá em 2666 - e “O Retorno”,
um devaneio bizarro e surpreendente sobre “algo” depois da vida. Os contos de “Putas
Assassinas” – o nome do livro é referência a um deles – estão muito pouco
interligados ao título e muito menos entre si, mas por incrível que pareça,
após ler “Memória de Minhas Putas Tristes” de Márquez, fui capaz de encontrar
um sentido para que a coletânea de Bolaño levasse esse nome.
“Memória” conta a história
dos 90 anos do protagonista, que nunca havia se casado ou se apaixonado vivendo sua sexualidade exclusivamente com putas, e que nas vésperas de se tornar
nonagenário, manifestou um desejo incontido de passar a noite com uma virgem.
Resolve fazer seu pedido a uma cafetina, velha conhecida, que acaba por
arranjar uma adolescente de 14 anos, paupérrima, que sobrevive de pregar botões
em roupas numa fábrica. A noite do primeiro encontro dos dois, transcorre de
forma inesperada : a menina completamente nua, dormindo sob afeito de um
calmante, com o velho igualmente nu, deitado ao seu lado, apenas admirando-a,
sem querer acordá-la e retirando-se antes que ela acordasse naturalmente.
Os encontros vão se sucedendo
sempre da mesma forma : uma mistura de voyeurismo e fetichismo em que o velho
assiste ao sono da menina, toca-a de leve, sem consubstanciar qualquer
intercurso que envolvesse seus genitais. Nasce daí uma relação de amor que o
velho jamais tivera a oportunidade de
experimentar. Ele diz a Rosa Cabarcas (a cafetina) : “O sexo é o consolo
daqueles que não tiveram a alma tocada pelo amor”. O velho chama a menina de “Delgadina”
, nome que inventou durante suas noites de observação amorosa.
É uma história de amor inverossímil,
mas muito bonita de qualquer forma: Chamou-me a atenção o acolhimento e o
carinho com que Rosa Cabarcas trata a questão do velho. A “puta-mor” acaba por
ser a grande articuladora de algo que aparentemente se afasta da prostituição:
o amor sublime. O velho, apesar de seus 90 anos, não era incapaz de fazer sexo.
Apenas descobriu um sentimento que embora sensual, tomava-o inteiramente e com
tal intensidade, que prescindia do ato sexual em si. O exercício da sensualidade daquele amor, se
dava pelos cuidados e mimos que o velho deitava sobre sua amada, a observação
dos frêmitos de seu corpo nu e adormecido, pela arrumação do quarto onde se
encontrava com ela. O velho passou a um exercício diário de galanteio, de
conquista e namoro adolescente, que desconhecia em si mesmo. Tão adolescente
que as vezes se comporta como tal, em seus acessos de fúria e ciúmes quando
sente que pode perder a menina, sua Delgadina.
Refletindo sobre o acolhimento da
“puta-mor”, não pude deixar de pensar no papel ancestral do feminino : Receber
para a vida e encaminhar para a morte, como uma sentinela presente na passagem
entre os dois mundos, entre o ser e não ser – como em Antígona que sacrifica a
própria vida pelo direito de enterrar seu irmão e garantir-lhe a paz dos mortos.
As putas são os últimos redutos
dos não amados ou dos que não se sentem capazes de amar. São aquelas que a partir
da receptação em seus corpos, criam um simulacro do amor e do acolhimento
afetivo para aqueles que encontram no sexo o único consolo, o único retorno possível.
As putas são, acima de tudo, mulheres e como tais receptadoras das passagens da
vida de um homem, grandes mediadores da vida e da morte. Os franceses chamam o gozo sexual de "petit mort", o que talvez reforce o arquétipo da proximidade entre a experiência sexual e a morte - que para mim, dá mais sentido ao título de Bolaño.
PUTAS ASSASSINAS - ROBERTO BOLAÑO - COMPANHIA DAS LETRAS - 219 PÁGINAS
MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES - GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ - EDITORA RECORD - 127 PÁGINAS
PUTAS ASSASSINAS - ROBERTO BOLAÑO - COMPANHIA DAS LETRAS - 219 PÁGINAS
Mas o importante nesse texto que me tocou profundamente, foi a maneira elegante e despojada de preconceito com que o assunto foi tratado. Uma sinfonia romântica onde arpejos do desejo carnal se integra à necessidade de sobrevivência. É preciso muita coragem para se optar pela sobrevivência, desprezando o próprio corpo e sobrevivendo além dele.
ResponderExcluirPor esta razão que considero o Gabriel G. Márquez um grande contador de histórias de amor. O velho não tinha conhecido o amor, embora durante toda a sua vida tenha feito sexo - neste caso não importa se foi ou não com prostitutas, pois existem milhões de homens que fazem sexo com suas namoradas ou mulheres e igualmente não conhecem o amor. O zelo, a contemplação, a doação e o respeito foram as matérias primas que emergiram quando os lampejos ardentes do sexo foram contidos e ainda assim, este amor foi a maior experiência sensual que o velho já tivera na vida.
ExcluirÉ preciso ficar velho para valorizar o que é mais importante e que vai além do que é material, os sentimentos, que não acabam com uma descarga hormonal, mas que permanece e nos embala para sermos melhores enquanto espécie.
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