terça-feira, 31 de janeiro de 2012

FIRMIN – SOBRE RATOS E HOMENS



"Um rato culto é um rato solitário" - Firmin




Já comentei sobre o processo de encantamento que tive com os livros e a leitura e penso que muita gente compartilha um histórico semelhante. Contudo, não posso deixar de lado o fato de que tive a sorte de encontrar os “livros certos” que me ajudaram a encontrar um prazer indescritível neste hábito, porque foram livros inspiradores – livros escritos por quem gosta de contar uma boa história. Os “livros certos” são aqueles que fazem você querer mais, se aventurar por outros livros, embora não seja possível amar a todos da mesma maneira. Certa vez tive uma experiência incrível com o excelente “Como a Mente Funciona” do neuropsicólogo norte-americano  Steven Pinker : por causa dele, de suas citações caprichadas e suas fartas exegeses, li mais 22 livros que eram de alguma forma mencionados em seu texto. É claro que alguns desses 22 livros, mas não todos, me levaram a outros tantos e, para resumir, até hoje não consegui esgotar as referências importantes da bibliografia utilizada por Pinker. Nenhum destes livros, como já deve ter ficado claro, se trata de um romance, mas pode-se contar excelentes histórias a partir da ciência – quem teve o prazer de conhecer a obra de Carl Sagan e sua série “Cosmos” sabe bem do que estou falando. 
       
A  literatura universal dispõe de clássicos considerados indispensáveis para quem quer ter um mínimo de cultura, mas nem todos eles são de fato bons do ponto de vista do leitor amante, aquele para quem a cultura advinda dos livros é secundária ao prazer de lê-los. O leitor amante não deixa de ler, independente do quão atarefada seja sua vida – a história de José Mindlin comprova isso – e até por isso, lê ainda mais, sempre que consegue um momento. O leitor amante não lê porque é preciso, mas porque ele precisa.

Descobri grandes contadores de histórias, quase todos famosos, mas surpreendi-me enormemente quando tive em minhas mãos a obra “Firmin” de Sam Savage. Não conhecia este autor, nascido na Carolina do Sul – EUA e que publicou Firmin, seu primeiro romance, fora dos grandes círculos editoriais e talvez por este motivo, tenha demorado um pouco mais para se tornar um sucesso absoluto sobretudo entre os leitores amantes. Quando olhei sua capa e o folheei, pensei que se tratava de um romance infantil. Contudo na primeira página, já me dirigi ao caixa da livraria ! Ela começa exatamente falando das primeiras linhas dos livros, das aberturas espetaculares com as quais um autor agrilhoa seu leitor por toda a história. Savage cita algumas, realmente espetaculares, e já ganha o leitor amante de saída : “Lolita, luz da minha vida, fogo de minhas entranhas” – de Nabokov ; “Todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira” de Tolstoi, ou ainda, a preferida dele – “Esta é a história mais triste que já ouvi” – que abre a obra “O bom soldado” de Ford Madox Ford. Tenho que concordar que das três aberturas escolhidas por ele, a de Ford Madox Ford é a mais instigadora, tanto que fui atrás da obra, li-a e não me decepcionei : é excelente.

                                                                       



Mas continuando a narrativa de Savage, descobrimos nas páginas seguintes que ele fala como Firmin, um rato que nasceu sobre as folhas picadas do Finnegans Wake de James Joyce e mora no forro de uma velha livraria e que se torna um leitor voraz, literalmente, pois além de ler avidamente o tesouro que a livraria abriga, ele também o come. A história de como sua mãe prenha conseguiu se refugiar na livraria para ter sua ninhada e sua luta diária em busca de alimentos é belíssima, cheia do drama que aproxima a espécie humana de todas as demais. 




Erudito, sonhador, esnobe, voyeur, mentiroso, enfim um rato que bem poderia ser  um Oscar Wilde se fosse humano, Firmin nos leva para seu mundo e seus devaneios com “sua” Ginger Rogers, que assistia diariamente num cinema próximo, em seus musicais com Fred Astaire. Firmin acompanha o dia-a-dia da livraria que habita observando do mezanino, o livreiro, um escritor fracassado, que se torna seu herói, por não mais se identificar com seu próprio mundo, pois no mundo dos ratos, um rato culto é um rato solitário. A humanização de Firmin é construída brilhantemente por Savage e esta mistura de rato e homem nos arrasta para momentos de alegoria, tristeza ou de humor deliciosos pelo paralelismo evidente com nossas próprias vidas. É um livro que um leitor amante devora, no sentido figurado - exceto para Firmin - numa sentada e que pode ser um ótimo começo para quem quer se apaixonar por livros. 


"FIRMIN"- Sam Savage - Editora Planeta - 2008 - 244 págs.

Destaque para as ilustrações de Fernando Krahn que tornam o livro ainda melhor.






















segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O SEGREDO DE JOE GOULD



Vivo mais num ano que os comuns mortais em dez” - Joe Gould ao comentar sobre aparentar mais idade do que de fato tinha.







Houve tempos em que a condição de “morador de rua” não era pandêmica como é hoje e algumas figuras se destacavam nos cenários das cidades : mendigos velhos ou jovens, alguns sábios e lúcidos do jeito deles, outros embriagados e assustadores povoavam o imaginário popular. Alguns tornavam-se personagens de alguma lenda urbana e tinham suas imagens utilizadas pelos pais para pressionarem seus filhos a se comportarem, como o famoso “homem do saco”. Sempre encarei estes personagens com curiosidade e respeito carinhoso e me lembro de episódios bizarros que enfrentei ao tentar ajudar alguns deles, pois não entendia que muitos deles não são “pedintes” e não aceitam doações de qualquer maneira – é preciso ter jeito, tentar entender a lógica daquele indivíduo antes de tentar lhe fazer uma doação. Aprendi esta lição em vários episódios como no dia em que vi um deles fuçando num saco de lixo de fronte a uma padaria. Imediatamente entrei na padaria e comprei uma pacote de pão de forma, pois imaginei que ele duraria mais e que o homem poderia comê-lo ao longo dos dias. Peguei o embrulho e corri para alcançar o homem que ainda fuçava o lixo, chamei-o e estendi o embrulho em sua direção. Ele me olhou com um olhar penetrante e um tanto enfezado, e desprezando minha oferta voltou-se para sua árida busca naquele lixo magro. Fiquei parado, com o embrulho estendido sem saber o que fazer, com a nítida sensação de que eu o havia ofendido. Cheguei  pensar que o problema era o pão de forma pois, a seco, é bastante insosso. Sem opções, tive a ideia de colocar o pacote ao lado de outro saco de lixo, próximo ao que ele estava mexendo e me retirei. Fiquei de longe observando e depois de algum tempo, vi com satisfação que ele pegara o embrulho com o pão e guardara em sua sacola.  Mais tarde fui compreender um pouco melhor a intrincada realidade daqueles que chamamos indistintamente de moradores de rua e descobri que em muitos casos, tratam-se de pessoas cuja origem não é de forma alguma miserável e que a maioria já teve uma identidade social completamente diferente daquela que se apresenta no momento. Por trás de cada um desses indivíduos, existe um ser humano cujo ego se partiu e desenrola-se um drama que vai da rejeição familiar, passando pela doença mental culminando com a falta de estrutura social para absorve-los adequadamente.




Foi então que “conheci”  Joe Gould, ou o Professor Gaivota do jornalista e escritor Joseph Mitchell, que trabalhou por décadas na prestigiada revista New Yorker. Mitchell, era um escritor diferente, sobretudo por sua capacidade e paciência de observação, que o fazia buscar temas nada óbvios sobre os quais escrever. Foi graças a esta peculiaridade que descobriu o personagem Joe Gould, um andarilho que perambulava pelas ruas de Nova York nos anos quarenta e que descrevia a si mesmo como “a maior autoridade dos Estados Unidos em privação” – “Vivo de ar, autoestima, guimba de cigarro, café de caubói, sanduíche de ovo frito e ketchup”.  Joseph Ferdinand Gould – Joe Gould -  era ianque, criado nos subúrbios de Boston, filho e neto de médicos. Bacharelou-se em Harvard e quando sua mãe achou que se tornaria médico como seus antepassados, ele declarou que sua educação formal estava encerrada. Ao ser questionado sobre o que faria de sua vida, respondeu simplesmente : “ Pretendo perambular e refletir”.  É sobre esse nada óbvio personagem que Mitchell dedicou seus melhores esforços de escritor e jornalista.

Mitchell escreveu na verdade duas histórias, uma publicada na New Yorker em 1942 – “O Professor Gaivota”, na qual se referia ao fato de Gould afirmar que conhecia a linguagem das gaivotas e que estava escrevendo a maior obra de todos os tempos, nada menos do que a “Uma História Oral do Nosso Tempo” , que  segundo ele, na época em que conheceu Mitchell, já chegava a ser onze vezes maior que a Bíblia. A segunda história, Mitchell publicou apenas em 1964 – “O Segredo de Joe Gould” – sete anos após a morte de Gould, em que completa o perfil do idiossincrático personagem e revela o que de fato aconteceu com ele e com sua obra. O projeto da “História Oral” de Gould era nada mais nada menos do que o registro daquilo que ele via e ouvia, sendo que ao menos metade de sua obra, seria a transcrição literal ou resumida de conversas que ouvia nas ruas, nas praças, nos botecos que freqüentava. “ O que as pessoas dizem é história” – afirmava Gould, que desprezava a história oficial como sendo, em sua maioria, uma grande farsa. “Vou registrar a história informal de gente em mangas de camisa – o que o povo tem a declarar sobre seus empregos, amores, comidas, pileques, problemas, tristezas – ou hei de morrer tentando." 





O livro de Mitchell é de fato uma obra-prima, um mergulho na vida de um ser humano que levou sua vida na contra-mão daquilo que estava predestinado a viver mas,  concomitantemente, senhor absoluto de seu tempo e de suas idéias. A própria história de Mitchell é profundamente afetada pela experiência que teve por anos a fio com Gould, atrás de sua “História Oral” e as revelações que teve no final não foram apenas acerca de Gould, mas sobre si mesmo e sua própria carreira literária.  Em meu imaginário, esta obra se junta às minhas próprias reflexões sobre a mística que envolve os andarilhos de rua, numa ótica romântica, é verdade, mas muito além da cruel realidade que se abate sobre os índios Galdinos que tentam sobreviver nas ruas de nosso país.  




" O Segredo de Joe Gould" - Joseph Mitchell - Editora Companhia das Letras - 157 págs. - Nesta edição de 2003 existe um posfácio excelente escrito por João Moreira Salles.



terça-feira, 24 de janeiro de 2012

FAHRENHEIT 451 – DERRETENDO CÉREBROS


“Há mais de um jeito de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas por aí com caixas de fósforos.” – Ray Bradbury






A primeira vez que tive contato com a obra de Ray Bradbury foi em filme, lá pelo idos dos anos 70, e fiquei muito impressionado. Na época eu não tinha muita noção da amplitude do argumento, mas três pontos me chamaram a atenção no filme : 1) 451 fahrenheit é a temperatura em que o papel entra em combustão (o cérebro derrete bem antes); 2) Os bombeiros do filme não combatiam incêndios, mas ateavam fogo às casas e aos livros que elas continham e 3) Existia um grupo de pessoas que se escondia na floresta e que decoravam livros, tornando-se “livros humanos”, de tal forma a prescindirem dos livros impressos que eram proibidos. Ao mesmo tempo que a trama era assustadora, sentia que os “livros humanos” eram uma idéia ao mesmo tempo simples e brilhante. Simples porque antes da existência do livro, a transmissão do conhecimento era praticamente toda oral, e brilhante porque na impossibilidade da guarda de livros físicos, as pessoas se colocavam novamente na posição de transmissores do conhecimento e das idéias de humanos para humanos. A grande diferença é que neste caso, a transmissão era literal, decorada de uma obra já escrita, sem a possibilidade de acréscimos do detentor da memória à obra do autor original – na obra de Bradbury, as crianças eram treinadas desde cedo para serem “Romeu e Julieta”, “O Retrato de Dorian Gray”, etc, para substituírem com precisão aqueles que estavam velhos e próximos da morte. Esses “livros humanos” eram rebeldes de uma sociedade futura distópica e totalitária, na qual as casas eram providas de enormes de aparelhos de televisão com programas “oficiais” e os livros de qualquer natureza completamente proibidos, sendo a sua simples posse considerada crime.  A esperança destes rebeldes, aos quais o protagonista Guy Montag (um bombeiro arrependido) resolve se juntar, era de que num futuro melhor, os livros pudessem ser reescritos através das memórias dos “livros humanos”. Anos depois de ver este filme, tive acesso ao livro e pude verificar que o trabalho de Truffaut na adaptação para o cinema havia dado conta de acionar meu imaginário e minha reflexão,  tornando a obra escrita quase supérflua neste quesito, o que me fez pensar em duas coisas, que julgo importantes : 

1) Não obstante a leitura seja um enorme prazer e o contato com o livro físico seja uma experiência multi-sensorial, é absolutamente  impossível ao longo de uma vida humana, ainda que totalmente dedicada à leitura, sequer “arranhar” a superfície do conjunto de obras existentes no mundo e que se multiplica exponencialmente.

2) Existem múltiplas maneiras de “ler” e a mídia impressa não pode ser a única opção para quem quer ter contato com vastidão das idéias humanas, sob pena de limitar brutalmente tal experiência.

Interessante que quando tive estas reflexões, ainda estava muito distante das possibilidades midiáticas atuais. Não obstante o amor pelos meus livros físicos, aprendi a ampliar meu espectro de possibilidades : já adolescente, adorava sentar com meu avô paterno para ouvir suas histórias e hoje me dou conta de que ele era uma espécie de livro humano – todos nós somos ! Esta reflexão me leva a outra que o “ouvir o outro atentamente” é uma espécie de leitura tão ou mais rica do que a leitura de um livro. Obviamente que existem enredos melhores e piores, como nos livros aliás. Talvez a nossa maior crise atual seja de audição e talvez a leitura de livros seja, antes de tudo, um excelente treinamento para a audição.

De volta à obra de Bradbury, soube que as tentativas de fazer um remake do filme de Truffaut tem esbarrado numa série de dificuldades, sendo a primeira que um filme sobre queima de livros em épocas de livro eletrônico e computadores, talvez fosse anacrônico. Depois o projeto foi sendo arrastado desde 1994 e por razões diversas ainda não foi concretizado.  Penso que a trama de Fahrenheit 451 continua extremamente atual, pois como disse no começo, o argumento é muito mais amplo do que pura e simplesmente a queima de livros – que aliás tem sido uma constante na história da humanidade (voltarei a este tema em futuros posts).  Bradbury aponta para a polifonia midiática sempre ligada aos interesses do Estado que na impossibilidade de queimar todos os livros, se empenham em derreter cérebros até que eles sejam capazes de repetir qualquer bobagem (qualquer mesmo!) que lhes sejam incutidas.









Curiosidade : Houve uma época em que me encantei tanto com a idéia dos “livros humanos”, que idealizei um "Bar Fahrenheit 451", onde os atendentes seriam preferencialmente estudantes do curso de Letras e treinados em sinopses de grandes obras. Eles estariam vestidos com uma roupa preta semelhante à utilizada por Montag e poderiam ser convidados às mesas para contar histórias. A cada noite, a “humanoteca”  mudaria seus títulos disponibilizados junto com o cardápio, que poderia estar correlacionado ao contexto da obra ou do autor. Ainda bem que acordei de meu delírio, pois tenho sérias dúvidas da viabilidade econômica de um projeto destes.

Para quem ainda não teve oportunidade e quiser conferir, recomendo ler o livro - "Fahrenheit 451"  - Editora Globo - 2003 - 209 págs. e assistir ao filme. Contudo, a meu ver o filme dá conta. Para quem é aficionado em HQ, também existe uma versão autorizada pelo autor.










segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O HOMEM QUE VIVEU COM OS LIVROS, O ROMANCE QUE ELES LHE CONTAVAM



"Os livros têm os mesmos inimigos que os homens : o fogo, a umidade, os animais, o tempo e o próprio conteúdo" - Paul Valery




Não poderia deixar de citar neste espaço, a profunda admiração que eu e qualquer aficionado por livros tem por José Mindlin, este brasileiro que fez de sua própria vida uma obra de arte.  Tive o enorme prazer de assistir a inúmeras entrevistas que concedeu, do alto de seus mais de 90 anos  excepcionalmente bem vividos, que refletiam seu caráter apaixonado, sereno, de uma cultura inigualável nos padrões contemporâneos e mesmo assim, de uma humildade que deveria fazer corar nossa pseudo-intelectualidade acadêmica urdida há décadas nas águas mortas do determinismo histórico e da luta de classes. A história desse homem e seu amor pelos livros e pela cultura não apenas gerou um exemplo inspirador, como deixou um legado aos brasileiros de valor inestimável : sua imensa biblioteca particular, uma das maiores e mais valiosas do mundo, que foi integralmente doada à USP, pouco antes de sua morte. Nunca vi ou ouvi uma manifestação do corpo discente sobre este prêmio recebido há poucos anos, fruto do investimento de uma vida inteira dedicada à cultura e ao conhecimento. Embora a Edusp, junto com a Companhia das Letras tenham editado um belíssimo volume – “Uma vida entre Livros – Reencontros com o Tempo”, a repercussão deste fato foi infinitamente menor na mídia do que qualquer entrevero entre polícia e invasores de reitoria ou de espaços públicos. José Mindlin legou-nos ainda uma bibliografia dedicada ao seu amor pelos livros e sua peregrinação pelo mundo, em busca de volumes raros, primeiras edições, registros e documentos raros que ajudam a resgatar e organizar a história da literatura nacional e consequentemente, parte da história da humanidade. Suas histórias são deliciosas, profundamente humanas e por vezes hilárias, como da vez em que sua casa foi assaltada por um bandido que usou para coagi-lo a lhe dar um resgate, nada mais do que uma caixa de fósforos com a qual ameaçava atear fogo aos seus preciosos livros. Há ainda relatos das “perseguições” que teve que empreender pelo mundo atrás de determinado livro ou documento, os sebos, os leilões. O maior exemplo no entanto, não vem exclusivamente de sua predileção pelo saber, mas de ter feito tudo isso, sem deixar de ser um brilhante advogado, secretário da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, constituir uma bela família e ser um dos mais bem sucedidos empresários que o país já teve : construiu nada menos do que a Metal Leve – uma das maiores empresas do setor de autopeças do Brasil. Em épocas em que o maior objetivo do mais badalado empresário brasileiro é ser o mais rico do mundo até 2016 e que a solução para a educação brasileira parece se concentrar exclusivamente no acesso ao ensino oficial, independente da qualidade deste estar abaixo da crítica de qualquer padrão internacional sério, Mindlin nos faz uma imensa falta !  

Recomendo para os que admiram José Mindlin, estas duas pequenas obras primas, riquíssimas em seu conteúdo, que me deram um enorme prazer : “ No Mundo dos Livros” – Editora Agir – 2009 – 103 págs. E “Uma Vida entre Livros – Reencontros com o Tempo “ – Edusp/ Cia. Das Letras – 2008 – 231 págs. 







domingo, 22 de janeiro de 2012

O FUNDAMENTALISMO DO PENSAMENTO




Penso que uma premissa importante a ser observada por qualquer um que queira aproveitar o mergulho no mundo dos livros é o desenvolvimento da capacidade de entrega associada à crítica balanceada das idéias e dos argumentos de cada obra, independente do nível de identificação com o conjunto delas ou com seus autores. A capacidade de entrega é necessária para que possamos adentrar o mundo do autor, ou antes, permitir que o mundo dele entre em nós, tornando-nos parte de seu texto. Esta atitude diante da literatura em geral é um convite à expansão da experiência interna, do prazer de alcançar mundos possíveis apenas fora de nossa vivência cotidiana, sempre limitada. Já no campo dos livros de caráter mais específico, como os históricos, científicos, biográficos, filosóficos, etc, a resistência a priori a autores e idéias, torna o que deveria ser um diálogo interno enriquecido por um universo de possibilidades, numa briga interna que ou nos faz rejeitar a obra toda e rotular seu autor, ou deixar de aproveitar o que ela tem de melhor – a possibilidade de refletir a partir de diferentes perspectivas.
Em minha experiência direta como leitor, raríssimas vezes me deparei com a situação de rejeitar completamente uma obra, sem retirar dela pelo menos uma idéia ou argumento que merecesse apreciação, ou de aceitá-la por completo, sem qualquer reparo ou divergência com o autor. Vivemos em tempos bicudos de fundamentalismo crescente, partidário, onde as pessoas só podem estar à esquerda ou à direita, à serviço das velhas oligarquias ou das novas (sem a percepção de que as distinções entre as velhas e as novas são absolutamente ilusórias). Tempos em que o “índex sagrado” foi substituído pelo “índex de mercado” – só se edita ou reedita o que tem demanda (uma demanda criada pela mídia e pela estrutura "educacional" regular) e o que não é reeditado deixa de ser demandado porque torna-se cada vez menos conhecido. Tempos de adorações ou execrações, de sacrifícios individuais cada vez maiores para benefícios coletivos cada vez menos evidentes. Enfim, tempos em que se deixam os argumentos de lado, para se concentrar em ataques “ad hominem”, destruindo ou tentando destruir a reputação do autor ou do rótulo que ele representa, para não ter que lidar com a tarefa mais espinhosa de argumentar sobre as idéias.

Nessa direção, penso que a obra “Meu Caminho - Entrevistas com Djénane Kareh Tager” (Editora Bertrand Brasil- 377 págs.) de Edgar Morin, hoje com 90 anos, sintetiza o percurso de um livre pensador, que nem sempre foi livre, mas que teve a coragem de se entregar às suas aventuras intelectuais e a humildade de reconhecer seus erros de julgamento e encantamento, sem contudo renegar qualquer coisa que tivesse um verdadeiro  sentido civilizacional e humano, abandonando de vez  o discurso partidário-ideológico.




sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

OS LIVROS



Os livros salvaram minha vida ! 

Talvez por solidão ou falta de coisas mais interessantes para fazer, aproximei-me muito cedo da leitura : livros de histórias “inocentes”, fábulas, contos de Grimm e alguns poucos gibis foram minhas primeiras leituras. Lembro-me de ficar horas lendo e relendo aqueles livrinhos que eram capazes de me trazer muita emoção: cortava-me o coração a história da “Girafinha Faladeira”, que de tanto falar o que não devia e fazer fofocas, foi submetida a uma tortura inimaginável pelos demais “amiguinhos” da floresta : teve sua língua queimada com uma pomada à base de pimenta e ervas ácidas e ficou muda... muda, mas querida pelos demais “amiguinhos”, pois afinal ela havia pago o preço e “aprendido a lição”. Esta história me incomodava de sobremaneira. Provavelmente porque eu tive minha própria língua queimada num fatídico acidente com eletricidade e me identificava com a girafinha. Por outro lado, achava estranho aquela punição, desmedida, brutal. Não entrava em minha cabeça que os animaizinhos da floresta (a coruja, o coelho, a corsa, o jaboti e outros “mimosos”) fossem capazes de cometer um ato destes. Li e reli esta história por diversas vezes, talvez na esperança de que o final se tornasse diferente como num passe de mágica, coisa que obviamente não aconteceu. Fiquei pensando durante muito tempo sobre o que significava “ter aprendido a lição”. Perguntava-me como eles (os demais animaizinhos da floresta) podiam saber se a girafinha havia aprendido a lição se ela não podia mais falar... Levou muito tempo para que eu pudesse compreender a “inocência” que havia por trás de tais histórias. Nestes primeiro anos, um livro em especial me marcou : “Meu pé de Laranja Lima” de José Mauro de Vasconcelos. Reli-o cerca de dez vezes, sempre me emocionando com determinadas passagens da saga de Zezé, o menino protagonista e autor do livro, e sua árvore, seu pé de laranja-lima a quem deu o nome de Minguinho. Mais uma vez o plano de identificação era perfeito : a infância pobre, a incompreensão do mundo adulto e as fantasias que aplacavam a solidão. Seu texto permanece gravado em minha mente até hoje :as irmãs Glória (Godóia) e Jandira, o Portuga, o Mangaratiba, a medalha escrita “Carborundum”...os folhetos “picantes” do Seu Ariovaldo : “Eu quero uma mulher bem nua, Bem nua eu quero ter, De noite no clarão da Lua, eu quero o corpo da mulher “. 





Um pouco mais tarde, tive acesso a uma literatura de qualidade ligeiramente superior  como os clássicos da literatura infanto-juvenil : O Conde de Monte Cristo; As Aventuras de Tom Sawyer (que li cerca de quinze vezes); O Último dos Moicanos; A Ilha do Tesouro; Sem Família; Os Três Mosqueteiros; As Aventuras de Huck Finn; A volta ao Mundo em 80 dias; Vinte mil léguas submarinas;Dom Quixote e outros tantos clássicos. A esta altura, também me interessava pelas enciclopédias e coleções que minha mãe comprava com dificuldade, de forma fasciculada nas bancas de jornal. Lia tudo que me caia às mãos, os contos futuristas de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke eram meus prediletos, mas não dispensava a coleção de romances policiais de Ellery Queen que descobri na casa de uma tia. Analisando do ponto de vista atual, penso que a falta de  uma estrutura que orientasse minha curiosidade ou de um ambiente que inspirasse minhas buscas teve, como tudo na vida, aspectos positivos e negativos. O principal aspecto positivo é que, carente de qualquer orientação, parti para uma busca pessoal, onívora mesmo, onde ampliei meu espectro de interesses ao máximo. Fui construindo minha compreensão do mundo através de um autodidatismo que me colocava em estado de prontidão para “ir atrás” daquilo que despertava minha atenção. Talvez o aspecto negativo tenha sido eu ignorar determinadas obras, às quais tive acesso muito mais tarde do que poderia, e que teriam me dado enorme prazer e, porque não dizer, me poupado muito trabalho se eu soubesse que existiam. Hoje a internet é uma fonte praticamente inesgotável de informação, que nos permite acesso a bibliotecas no mundo todo, gratuitamente. Existem ferramentas de busca excepcionais que transformaram o mundo dos curiosos como eu. Ah, como seria bom ter essas ferramentas aos doze anos, no auge de minha curiosidade onívora associada à disponibilidade de tempo ! Mas não me queixo : Os livros salvaram minha mente e minha vida e hoje posso desfrutá-los nos mais diversos formatos - Ao invés de reler Dom Quixote, ouvi a narração completa do livro que tornou muitas horas do trânsito paulistano em puro deleite.
Minha intenção neste Blog é justamente compartilhar essas maravilhosas viagens com outros curiosos...