segunda-feira, 2 de abril de 2012

BOA NOITE SR. WINDOWS ! - PARTE 1


"UM GRANDE PSICANALISTA CHAMADO WORD "




Em primeiro lugar gostaria de lhe prestar uma homenagem. Aquele tipo de homenagem que não tem a menor importância, porque o homenageado já é tão absoluta e mundialmente consagrado que sinto-me até constrangido. Sinto-me como aquele garotinho chinês, no início dos anos 60, a balançar uma bandeirinha da China diante da portentosa figura de Mao, e cuja mãe alça-o aos ombros, segura de que o grande timoneiro iria discriminá-lo em meio à multidão e preservar na memória sua fisionomia para todo o sempre. Minha modesta, porém justa, homenagem é na verdade um sincero agradecimento, com genuína humildade de devoto : Agradeço-lhe por existir e possibilitar-me companhia incondicional em quase todos os momentos. Deus somente ofereceu Jesus aos homens, o seu filho encarnado, enquanto o Sr., em sua generosidade magnânima,  nos oferece vários filhos simultaneamente. Na época, meia dúzia de romanos deram fim ao filho encarnado, enquanto os seus filhos resistem bravamente a toda sorte de ataques e concorrências e nem mesmo o Congresso Americano pode com sua onipresença. 


Deus nos ofereceu apenas dois testamentos, o Antigo e o Novo, enquanto o Sr. é muito mais pródigo em seus desígnios : já vamos para sua enésima versão, charmosa e cabalisticamente chamada de 8, que irá suceder o 7, embora este tenha sucedido outra enigmaticamente chamada de Vista (uma pequena redundância) que sucedeu outro que não tinha um nome nem um número, mas apenas as letras XP – pura criatividade. Estou neste momento me relacionando com várias de suas epifanias para me atualizar sobre as mentiras fabricadas no mundo inteiro - as bobagens elevadas ao status de coisa séria e que embalam nossa vidinha cotidiana, pagando contas, trocando mensagens com outros seres humanos e sobretudo expressando meus pensamentos junto ao seu filho mais afamado e menos difamado. 


Este último só é menor que o Sr., que o possibilita !  Mesmo sendo um escrevinhador contumaz de papéis, não consigo mais imaginar-me sem ele e a condescendência silente de seu cursor que pulsa como um coração na única expectativa de avançar, de ir em frente. Como um psicanalista pós-moderno, ele se coloca não às minhas costas, mas cara a cara comigo - aquela cara branca com um traço piscante, que não encerra a sessão a cada 50 minutos nem possui aquela coisa de "tempo lógico" lacaniano. Nele, meus pensamentos se desdobram soltos, leves (nem sempre), toldados apenas por um corretor ortográfico que não está muito bem adaptado à nossa língua, mas tudo bem, afinal nem os filhos da pátria são bem adaptados à nossa língua. Bem sei que muitos  voltam-se contra o Sr. e o acusam das maiores imposturas : são ímpios ignaros que não percebem que mesmo quando o Sr. não está nos seus melhores dias e não nos pode enviar suas epifanias, nos oferece uma tela azul, não como o céu da manhã – extremamente iluminado e ofuscante - mas como o crepúsculo de um dia ensolarado, mais condizente com o regozijo e a meditação sobre o estar vivo. 


Os ímpios não compreendem estas sutilezas, paciência!  Mas, voltando à minha singela homenagem, gostaria mais uma vez de lhe agradecer por algo que ninguém mais tem podido fazer por mim nos últimos tempos : Ao me registrar pacientemente e me permitir rever tudo o que digitei, parece até que o Sr. está me ouvindo ou me lendo, enquanto discorro o que vai em minha alma. O Sr. não emite opiniões nem me critica e muito menos fica impaciente enquanto vou desfiando meu rosário de palavras, mesmo que a segunda palavra diste mais de quarenta minutos da primeira. Ainda dentro de sua extrema generosidade, permite que eu apague tudo o que escrevi, embora às vezes o faça sem meu consentimento - o que é compreensível pois, se por um lado pode significar talvez um sinal sutil de desaprovação ao conteúdo, por outro pode significar uma intimidade crítica que detecta quando não me expressei com minhas melhores palavras. Mas o que mais me impressiona no Sr. é seu desprendimento de ceder seus filhos a serviço de outros entes : Outro dia, tal como Adão no Paraíso (inclusive a loja coincidentemente se localiza neste bairro) sucumbi à tentação e mordi uma maçã que, por sinal, já estava mordida. E o que me é oferecido como bônus ? Ele ! Seu filho maior num "pacote premium". Fiquei meio desconfiado, confesso, mas feliz por ter meu companheiro de volta. Por tudo isso e muito mais, só posso dizer : Obrigado Sr. Windows !

10 comentários:

  1. O mundo esta barulhento mas está surdo. Muito ruído e pouca audição!As lições anteriormente escritas por aqueles que sabiam ouvir, são abandonadas e melhor dizendo, descartadas, para apenas os ruídos serem ouvidos. Sua perplexidade diante do silêncio interno, faz de você um instrumento eficáz na aquisição desses valôres perdidos.
    Copiando um jornalista dos bons, repito que onde há vazio, há pensamentos.

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  2. Havia escrito três comentários, citando o Sr. Windows, mas não foi possível publicá-los por problemas do Google. Mas tudo o que você escreveu sobre ele, eu endosso, pois embora não tenha um blog, escrevo nele minhas angústias através das Crônicas do Self, que figuram como confições ao Sr. Windows. Embora mudo,repara por algum tempo meus pesares,minhas decepções,meu romantismo,minhas informações. É um grande psicanalista dos solitários!

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    1. Isso mesmo ! O mundo a nossa volta está excessivamente barulhento e normalmente as pessoas não conseguem te ouvir por dois minutos sem esgazear o olhar e fazer cara de paisagem : é a famosa "landscape face". Escrever o que se passa em nossa mente é vital para acompanharmos nossos próprios movimentos internos. Além disso, também ajuda no desabafo...

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    2. Olha, você deu um belo chute no gol!!!!! Adorei o "landescape face"!Me deixou dar a primeira rizada do dia. Sei bem o que é isso.Vivo procurando motivo para rir, eis que surge!.Você tem um bom humor incrivel, só que não sabe.Lembra da "bulancinha", que não esqueço até hoje e sempre dou rizada quando lembro.Mas continue, pois eu me interesso e muito por tudo o que lê e elabora. Amei o Sr. Windows.

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  3. Parabéns pelo texto Eliseu, como sempre excelente em forma e conteúdo. Parabéns também por ter se permitido ao pecado da maçã, sinal claro de que você, sem nem perceber, galgou mais um degrau na "Pirâmide de Maslow para sistemas operacionais"… Sim, pouca gente sabe mas Abraham Maslow, brilhante psicólogo americano, após formular sua teoria da motivação humana, formulou também, ainda na década de 50, sua "teoria para evolução humana em sistemas operacionais", teoria essa tão ou mais importante que a primeira. Tal qual na pirâmide original, todo aspirante ao mundo digital (ao menos os da minha idade…) buscou inicialmente satisfazer suas necessidades fisiológicas computacionais através do bom e velho MS-DOS, e seus amistosos comandos digitados, tipo "Xcopy /s /u /p C:\Home G:\target, em vez dos sempre complicados movimentos de arrastar e soltar. Uma vez atendidas as necessidades fisiológicas (xcopy, dir, format, tree, md, ren, etc.), o ser humano começa então a sentir que esse comandos não mais o satisfazem plenamente, e busca um patamar de maior segurança em sua jornada evolutiva. É quando inicia-se então no mundo das janelas (algumas sem rede de proteção…) do poderoso WINDOWS, que você tão bem descreveu em seu texto. A Maioria dos seres humanos satisfaz-se plenamente nesse novo degrau da pirâmide, já que as recompensas em desempenho e funcionalidade são muitas. Quem nunca regozijou de satisfação ao impressionar a namorada com suas habilidades em criar planilhas dinâmicas altamente complexas que determinam a quantidade exata de carne a comprar para o churrasco de domingo ? Mais ainda com a versão 2.0, que incluía também linguiça e coraçãozinho ? E assim o ser humano digital avança e evolui, feliz, satisfazendo uma a uma suas necessidades motivacionais, quando, em um dia nublado, ele começa a ter pensamentos estranhos e profanos, que a princípio os esconde até de si próprio. Percebe que aquela imagem que vê no espelho de manhã não se encaixa mais em sua alma digital, que fervilha pecaminosamente cada dia mais. Ele começa a achar ridículas situações que antes eram naturais e automáticas em sua vida, tal qual girar a rodinha do mouse para rolar a tela. Uma rodinha mecânica… Blargh… O ápice chega quando o indivíduo não consegue entender como um programador pôde ter sido tão idiota a ponto de colocar o botão que fecha os programas no canto superior direito da tela, quando qualquer imbecil sabe que o local correto é no canto superior esquerdo... Pronto, esse indivíduo não se satisfaz mais somente em atender suas necessidades orgânicas nem com a segurança que o Windows sempre lhe trouxe. É preciso buscar também auto-estima e auto-respeito digital, mesmo que isso signifique orar a noite para um outro deus, de uma religião que sempre foi luxuriosa, invejosa e blasfêmica contra seu deus antigo. E assim, sem possibilidade de retorno, o indivíduo compra seu primeiro Mac, galgando então mais um degrau da pirâmide. Um degrau de satisfação plena de praticamente todas as necessidades possíveis. Um degrau de respeito dos outros para consigo e também de auto-respeito. Um degrau de admiração e, por que não, de diferenciação entre a raça humana. Um estágio evolutivo tão alto que muitos, a fim de evitarem frustrações e traumas, desmerecem ou ignoram a existência. O degrau do Mac OS e seus filhotes, todos sempre acompanhados de um adesivinho de maçã pra colar no vidro do carro. [por limitação de espaço, continua no próximo comentário...]

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  4. [...continuação do comentário anterior]... Existe ainda um último degrau na pirâmide 2 de Maslow… Esse reservado a almas realmente diferenciadas… A seres não humanos, de pura energia branca. Entidades sem massa e sem átomos de carbono para nos poluir. É quando deixamos de lado todos os desejos digitais mundanos que nos atormentaram nas últimas décadas… É quando não conseguimos mais entender como perdi tanto tempo configurando recursos que nem lembro mais pra que serviam. É quando passamos a nos preocupar somente com as palavras da carta, e não mais com o editor de texto a ser usado. É quando finalmente percebe-se a importância do churrasco em si, mesmo que falte carne. É quando percebemos que pouco importa se meu computador é Mac ou PC, Safari ou Explorer, Mac OS ou Windows, desde que eu consiga simplesmente responder àquele email ou curtir aquela foto. É quando percebemos que esse tal de sistema operacional não é a alma do computador, porque finalmente percebemos que computador não tem alma. Nós sim a temos, e é essa quem deve evoluir de versão. Continuamente.

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    1. Agradeço sua consideração ao meu texto e sobretudo a criação desta pequena obra-prima de comentário que me fez viajar pelas orbes mais elevadas da construção de nossa mente digital. Muito oportuna a lembrança da 2ª Pirâmide de Maslow, sobre a hierarquia das necessidades humanas dos sistemas operacionais ! Isto me leva à 3ª e, seguramente menos conhecida, empreitada deste faraó da psicologia motivacional humana : a pirâmide invertida de Maslow das necessidades humanas de bugigangas tecnológicas ( entendendo-se como “bugigangas tecnológicas” inclusive teorias, crenças, e toda a sorte de aparatos oriundos do pensamento humano para se resolver uma inconformidade). Ela é invertida justamente porque a cada passo rumo ao estreito cimo daqueles que podem se dar ao luxo de ter necessidades humanas mais sofisticadas, mais aumenta a necessidade da aquisição de gadgets, teses e soluções para os problemas virtuais que tais necessidades geram. Na prática funciona assim : a cada passo que o mortal dá para resolver problemas básicos e concretos de sobrevivência, ele cria dezenas de outros, menos concretos, no andar superior da pirâmide, aumentando assim suas necessidades de solução destes novos problemas. Quanto mais nos afastamos das necessidades Fisiológicas e nos aproximamos das de Realização Pessoal, maior a complexidade requerida para a solução de problemas que nós mesmos inventamos, pois estes são acima de tudo de ordem simbólica, lingüística, onírica. Daí decorre que, por isto chama-se “pirâmide invertida”, por maiores e mais complexas que sejam as demandas das necessidades fisiológicas, jamais serão maiores do que as demandas para a Realização Pessoal. Enfim... coisas de psico-egiptólogo ! Abandonando um pouco esta “Guizé Psíquica”, você fez meus olhos marejarem ao recordar aqueles velhos e bons comandos do MS-DOS ! Ah...quanta saudade! Para quem, como eu, começou com um TK – 85 de teclado chiclete e passava horas tentando escrever um programinha em Basic, gravá-lo numa fita K-7 e, usando um monitor de TV P&B, assistir embevecido aqueles gráficos maravilhosos de um bonequinho palito se atirando do alto de um morro virtual, certamente foi tocado pelas primeiras epifanias do Sr. Windows ! Quem poderia, além do lunático Jobs, imaginar que estética iria se tornar tão importante no mercado de computação doméstica e empresarial cool ? A princípio, pensei que se tratava de uma simples quimera, uma bobagem para quem só usava computador para fazer graça. Eu estava enganado, não pela superioridade de um sistema em relação ao outro ou da qualidade gráfica, mas pelo simples motivo estético, o valor agregado a ele e as conseqüências menos óbvias disto. Descobri que a demanda estética humaniza a tecnologia, o que não significa necessariamente que a torne melhor, mas talvez seja um passo importante. Foi bonito pertencer a uma época em que pude acompanhar a evolução tecnológica da forma como esta aconteceu na virada século. Contudo, confesso-me frustrado em relação aos “sistemas operacionais humanos”, parte porque não entendia que havia uma relação inversa entre avanço tecnológico e o aparente empobrecimento da alma humana. Para mim, a alma é uma possibilidade, um terreno no qual pode-se erigir grandes sistemas sintrópicos. Isso requer muito trabalho. Não físico, pois este é necessariamente entrópico, mas aquele da ordem do pensamento, da reflexão, da pura contemplação (daí talvez a importância do estético), muito mais comuns naqueles seres de pura energia branca a que você se refere. Temos estado muito ocupados com o trabalho físico, produzindo coisas e sentidos que causam entropia e tornam a vida complexa, portanto pobre. A satisfação de um churrasco onde falta carne só pode ser obtida por uma ordem superior de pensamento, assim como as palavras da carta, independente de onde estão escritas.

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  5. hehehe... Realmente tinha me esquecido da 3a pirâmide... Talvez tenha sido por algum mecanismo autoprotetor do cérebro buscando preservar minha sanidade, mesmo que por postulado. Mas agora, após ler suas palavras, tudo volta claramente diante meus olhos... Todas as imagens, todas as lembranças das intermináveis economias que fiz, vendendo até mesmo os livros escolares das crianças a fim de comprar minha preciosa batedeira de bolo com bluetooth e wifi... A 3a pirâmide explica claramente os mecanismos de convencimento para criação de desejo e dependência nesses amáveis gadgets e suas incontáveis gerações de filhotes...
    Não conte para ninguém, mas realizamos regularmente um brainstorm chamado "Coisas para idiotas comprarem", onde compartilhamos idéias para criação de fabulosos produtos brilhantemente inúteis e com imenso potencial de cativação e dependência mercadológica. Quero aproveitar a oportunidade e lhe convidar formalmente, nosso mais brilhante psico-egiptólogo, a participar desse seleto grupo de domínio do planeta. Não tema, o anticristo não participa das reuniões (ao menos que tenhamos notícia). Confesso que ainda não conseguimos lançar nenhuma de nossas idéias no mercado, talvez tenha sido por não possuirmos recursos financeiros e logísticos suficientes para lançarmos produtos com expectativa de venda tão alta.
    Em tempo, brilhante sua definição de alma. Para ser lido e relido por todos.

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    1. Pode contar comigo para o Grupo dos Pardais ! Construiremos um verdadeiro parque temático de pirâmides e porque não de cones, trapézios, icosaedros e quem sabe até duodecaedros. Mas sabe duma... uma ideia maluca aqui, outra absurda ali e quem sabe surge alguma coisa que preste (não de fato, mas preste para comercialização). Já adquiri coisas que eu mesmo duvido, porque naquele momento especial me pareciam absolutamente imprescindíveis... ainda que num futuro remoto. Por exemplo : adquiri há bastante tempo, um conjunto de pinças com vários formatos de ponta e sistemas de pinçamento diferentes. Ainda busco o que pinçar com elas, mas tenho certeza que um dia desses elas poderão salvar uma vida ! Tenho um espelhinho, desses tipo de dentista, só que telescópico, fundamental caso eu tenha que desmontar algum artefato explosivo. Tenho um mecanismo de caixa de música que toca Yesterday dos Beatles (isso é comum). Tenho um micro martelo para gemas preciosas - quem sabe pode ajudar numa fuga de penitenciária. Tenho um micro azeitador de pequenos mecanismos como motores utilizados em modelismo (não possuo nenhum modelo motorizado... ,mas quem sabe ?) Bem, mas minha preciosidade maior foi ganha de uma pessoa muito querida que já não está entre nós : Um Genuíno OZARK GREGO !! Esta é minha "joia da coroa". Trata-se de um artefato genial cujo mecanismo você aciona manualmente e ele, dando um volteio completo, sobre o próprio eixo, retorna à sua posição original ! Ou seja : uma autêntico "fazedor de nada". Pois bem meu caro, o céu é o limite ! Vamos por mãos e cabeças à obra.

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  6. Sou muito parecido com você nesse quesito de admirar essas pequenas ferramentas especializadas e aguardar pacientemente, tal qual um mestre chinês, o tempo necessário para que seu discípulo possa enfim mostrar ao mundo toda sua arte.
    Confesso que não tenho a menor idéia (...será muito difícil eu me livrar desse acento...) do que é um Ozark grego mas confesso também toda a inveja que sinto agora em não tê-lo...

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