sábado, 25 de fevereiro de 2012

DAS PUTAS ASSASSINAS PARA AS PUTAS TRISTES


“O sexo é o consolo daqueles que não tiveram a alma tocada pelo amor”


Na esteira de Bolaño, li seu livro de contos “Putas Assassinas”, seguido de outro ícone da literatura latino americana – Gabriel García Márquez com o seu “Memória de Minhas Putas Tristes”. Foi interessante fazer uma leitura logo após a outra, porque pude identificar muito claramente os estilos de ambos os autores e chegar à conclusão que os dois me agradam igualmente :  Enquanto Bolaño me embebeda com seus devaneios descritivos, Márquez me inebria com suas histórias de amor – poucos sabem contar uma história de amor como ele.


Dos 13 contos de “Putas Assassinas” deliciei-me sobretudo com a “Prefiguração de Lalo Cura”- personagem que reaparecerá em 2666 -  e “O Retorno”, um devaneio bizarro e surpreendente sobre “algo” depois da vida. Os contos de “Putas Assassinas” – o nome do livro é referência a um deles – estão muito pouco interligados ao título e muito menos entre si, mas por incrível que pareça, após ler “Memória de Minhas Putas Tristes” de Márquez, fui capaz de encontrar um sentido para que a coletânea de Bolaño levasse esse nome.


“Memória” conta a história dos 90 anos do protagonista, que nunca havia se casado ou se apaixonado vivendo sua sexualidade exclusivamente com putas, e que nas vésperas de se tornar nonagenário, manifestou um desejo incontido de passar a noite com uma virgem. Resolve fazer seu pedido a uma cafetina, velha conhecida, que acaba por arranjar uma adolescente de 14 anos, paupérrima, que sobrevive de pregar botões em roupas numa fábrica. A noite do primeiro encontro dos dois, transcorre de forma inesperada : a menina completamente nua, dormindo sob afeito de um calmante, com o velho igualmente nu, deitado ao seu lado, apenas admirando-a, sem querer acordá-la e retirando-se antes que ela acordasse naturalmente.
Os encontros vão se sucedendo sempre da mesma forma : uma mistura de voyeurismo e fetichismo em que o velho assiste ao sono da menina, toca-a de leve, sem consubstanciar qualquer intercurso que envolvesse seus genitais. Nasce daí uma relação de amor que o velho jamais tivera a  oportunidade de experimentar. Ele diz a Rosa Cabarcas (a cafetina) : “O sexo é o consolo daqueles que não tiveram a alma tocada pelo amor”. O velho chama a menina de “Delgadina” , nome que inventou durante suas noites de observação amorosa.


É uma história de amor inverossímil, mas muito bonita de qualquer forma: Chamou-me a atenção o acolhimento e o carinho com que Rosa Cabarcas trata a questão do velho. A “puta-mor” acaba por ser a grande articuladora de algo que aparentemente se afasta da prostituição: o amor sublime. O velho, apesar de seus 90 anos, não era incapaz de fazer sexo. Apenas descobriu um sentimento que embora sensual, tomava-o inteiramente e com tal intensidade, que prescindia do ato sexual em si.  O exercício da sensualidade daquele amor, se dava pelos cuidados e mimos que o velho deitava sobre sua amada, a observação dos frêmitos de seu corpo nu e adormecido, pela arrumação do quarto onde se encontrava com ela. O velho passou a um exercício diário de galanteio, de conquista e namoro adolescente, que desconhecia em si mesmo. Tão adolescente que as vezes se comporta como tal, em seus acessos de fúria e ciúmes quando sente que pode perder a menina, sua Delgadina.

Refletindo sobre o acolhimento da “puta-mor”, não pude deixar de pensar no papel ancestral do feminino : Receber para a vida e encaminhar para a morte, como uma sentinela presente na passagem entre os dois mundos, entre o ser e não ser – como em Antígona que sacrifica a própria vida pelo direito de enterrar seu irmão e garantir-lhe a paz dos mortos.



As putas são os últimos redutos dos não amados ou dos que não se sentem capazes de amar. São aquelas que a partir da receptação em seus corpos, criam um simulacro do amor e do acolhimento afetivo para aqueles que encontram no sexo o único consolo, o único retorno possível. As putas são, acima de tudo, mulheres e como tais receptadoras das passagens da vida de um homem, grandes mediadores da vida e da morte. Os franceses chamam o gozo sexual de "petit mort", o que talvez reforce o arquétipo da proximidade entre a experiência sexual e a morte -  que para mim, dá mais sentido ao título de Bolaño. 





PUTAS ASSASSINAS - ROBERTO BOLAÑO - COMPANHIA DAS LETRAS - 219 PÁGINAS





MEMÓRIA DE MINHAS PUTAS TRISTES - GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ - EDITORA RECORD - 127 PÁGINAS

3 comentários:

  1. Mas o importante nesse texto que me tocou profundamente, foi a maneira elegante e despojada de preconceito com que o assunto foi tratado. Uma sinfonia romântica onde arpejos do desejo carnal se integra à necessidade de sobrevivência. É preciso muita coragem para se optar pela sobrevivência, desprezando o próprio corpo e sobrevivendo além dele.

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    1. Por esta razão que considero o Gabriel G. Márquez um grande contador de histórias de amor. O velho não tinha conhecido o amor, embora durante toda a sua vida tenha feito sexo - neste caso não importa se foi ou não com prostitutas, pois existem milhões de homens que fazem sexo com suas namoradas ou mulheres e igualmente não conhecem o amor. O zelo, a contemplação, a doação e o respeito foram as matérias primas que emergiram quando os lampejos ardentes do sexo foram contidos e ainda assim, este amor foi a maior experiência sensual que o velho já tivera na vida.

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    2. É preciso ficar velho para valorizar o que é mais importante e que vai além do que é material, os sentimentos, que não acabam com uma descarga hormonal, mas que permanece e nos embala para sermos melhores enquanto espécie.

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