segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

SÓCRATES E A ARTE DE VIVER


Uma vida que não é constantemente examinada, é indigna de ser vivida



Hoje este Blog está fazendo um mês de vida e em comemoração, resolvi prestar uma homenagem àquele a quem considero o maior pensador de todos os tempos, sobretudo porque viveu e morreu rigorosamente de acordo com seus mais profundos ensinamentos que remontam quase 2500 anos : Sócrates.
Não bastasse a genialidade e a atualidade de seus pensamentos, continua absolutamente notável que Sócrates não tenha escrito uma linha sequer durante toda sua existência, transmitindo suas idéias e métodos de forma oral para seus discípulos. Conhecemo-lo a partir da obra de Platão, sobretudo pelos “Diálogos”, em que Sócrates figura praticamente como uma personagem sua, Xenofonte que o glorifica e Aristófanes que o combate e satiriza.

O livro ao qual me refiro neste espaço não dispensa absolutamente a leitura dos diálogos de Platão, da Obra de Xenofonte – “Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates” ou o excelente “O Julgamento de Sócrates” de  I. F. Stone, que dão uma noção bastante clara da dimensão do ateniense, mas considero esta pequena obra de J. C. Ismael – “Sócrates e a Arte de Viver – Um Guia para a Filosofia no Cotidiano”, uma síntese espetacular e absolutamente aplicável no dia-a-dia das pessoas em pleno século XXI.

Não se trata de uma receita – a leitura destas lições deixará isto bem claro - pois tal receita não existe. Se existisse, o maior fundamento do pensamento socrático ruiria. Contudo, cada um destes dez pontos que selecionei da obra, fez-me refletir muitas vezes e tais reflexões me socorreram em muitos momentos em que havia “me esquecido” que era uma tolice levar-me tão a sério ou temer o que quer que fosse.   


Sócrates mostrou que a busca da verdade - e não necessariamente o seu encontro- não passa pelo cosmo ou pela natureza, mas pelo território sagrado da alma de cada pessoa disposta ao difícil enfrentamento da tarefa de transformar-se nela mesma.

AS DEZ LIÇÕES DO SOCRATISMO -

  1. Cuide da Alma – Cuidar da alma, missão suprema e indelegável do homem, é cuidar de si. O cuidado de si implica estar em confluência com o mundo, mas ao mesmo tempo, protegido das tentações que perturbam a intimidade, buscando-se na solução serena, e não na opinião dos outros, a resposta para as dúvidas e a libertação das incertezas. Preocupar-se com a alma sem descuidar-se do corpo, mantendo-o saudável e ágil ; é afastá-lo do perigo dos prazeres mundanos, fáceis e efêmeros que embotam os sentidos. Sendo a vida uma experiência intransferível, só os covardes e os fracos delegam a outros, a condução dos seus atos. A descoberta de si não se realiza num único, mas em contínuos exames, uns mais, outros menos reveladores – nenhum desprezível. Esses exames significam perguntar-se principalmente, se quem o faz está vivendo a vida que deseja, se sua vontade prevalece sobre a dos outros, se seus objetivos estão sendo alcançados, se seus amigos são verdadeiros. Porque quem não examina sua vida com persistência e coragem, modificando-lhe os rumos quando causam mais sofrimento que alegria, está condenado a extinguir-se sem nada a acrescentar à fatalidade da decadência biológica.
  2. Tome conta de sua vida – Tomar conta da própria vida não é uma tarefa fácil : exige eterna vigilância sobre a tentação de delegá-la a outros, de se julgar indigno de ser merecedor das próprias conquistas, enfim, de se diminuir perante si mesmo. A arte de viver passa necessariamente pela incansável missão de ver a vida como uma dádiva preciosa demais para ser descuidada, abandonada aos caprichos do acaso, desprezando a necessidade de aperfeiçoá-la através do estudo e da meditação.  Tomar conta da vida exige também atenção para que a vida do próximo não tenha importância desmedida, o que pode levar ao desinteresse pela própria.
  3. A liturgia da amizade – Amigos verdadeiros cultivam ideais elevados e lutam contra o antagonismo que brota naturalmente da convivência prolongada, lembrando que ela faz parte da natureza humana. Entre amigos, o único interesse que deve prevalecer é a alegria da convivência, sem disputas de qualquer natureza, não permitindo que a inveja e a tolerância cínica, maculem a pureza da relação.
  4. A natureza do amor – O amor é a experiência que mais aproxima o humano do divino. Porém, é preciso examiná-la – eis aí um aparente paradoxo – sem paixão, mas com a objetividade que parece prejudicar o seu verdadeiro entendimento, necessário para fugir de uma retórica vazia que nada define. Ao desejar o amor do outro, deve conhecer-se profundamente e não pretender privá-lo de nada que o impeça de ser ele mesmo, orientando-o, caso esse conhecimento lhe falte, a buscá-lo com determinação. Para que a relação entre os amantes seja longa e verdadeira, eles devem compartilhar com o mesmo delírio a essência traduzida na admiração mútua de seus corpos e na consciência das nobres qualidades das suas almas, alimentando-as na parte virtuosa e derrotando a viciosa.
  5. O que é ser livre – Na busca da liberdade o homem só abandona a ilusão de tê-la encontrado quando se convence de que sem conquistar a si mesmo não a alcançará; e, quando exercer o autodomínio com a mesma naturalidade com que respira, poderá dizer que é verdadeiramente livre e sábio, e não lhe ocorrerá ensinar  a liberdade a quem nunca a possuiu, ou conformou-se em tê-la perdido. A liberdade só é autêntica quando não depende de nada exterior, mas do conhecimento que precisa existir das suas limitações e da autonomia em relação a qualquer influência que possa desviá-las do aperfeiçoamento interior.
  6. Quando transgredir é salvar-se  - Obedecer não é submeter-se cegamente, mas estar em harmonia com a liberdade e vontade interior, lutando com todas as forças para que não sejam usurpadas. Viver bem significa satisfazer-se com as próprias convicções, porém não as considerando imutáveis ou definitivas : sem a prática do exercício da dúvida, nenhum modo de viver é autêntico. O transgressor não necessita justificar seus atos porque, desconhecendo o sentimento de culpa, pratica a mais elevada forma de liberdade – a que brota da fonte principal do direito positivo, que  por sua natureza está além do arbítrio dos homens. Portanto, aquele que transgride o que o impede de viver bem, está no caminho correto da salvação de si mesmo.
  7. O indivíduo e o cidadão – O indivíduo e o cidadão desempenham papéis distintos na sociedade. Desde que nasce, a criança raramente é educada para ser ela mesma, mas mero representante da cidadania, ou seja, alguém cuja vida é pautada pelas convenções da sociedade em que vive. O viver bem consiste pois, no auto-conhecimento que permite em primeiro lugar, discriminar precisamente os dois papéis e no exercício cotidiano de ambos, sabendo-se o que pertence a um ou a outro.
  8. Não se leve a sério – Não se levar a sério significa questionar constantemente os próprios valores, trocando-os por outros sempre que isso possa enriquecer o conhecimento; mas significa principalmente encarar a vida com humor, transmitindo-o as outros que o cercam como antídoto para os inevitáveis sofrimentos do cotidiano. Sabendo que a verdade  última jamais será alcançada, e que levar-se a sério equivale, entre todas as coisas, a ter certeza de ter encontrado tal verdade.
  9. Tenha somente o necessário -  O homem que se conhece verdadeiramente, mediante o exame e a prática da virtude, está livre da tentação de possuir bens materiais além dos estritamente necessários para a vida. Contentar-se com o que possui está entre os mandamentos do viver bem, e, diante das múltiplas ofertas ao seu dispor, alegrar-se por não precisar de nenhuma delas : as coisas indispensáveis são muito poucas.
  10.  Viva a arte de morrer – A vida pode parecer curta para a preparação da morte, mas não o é para aquele que se empenha em viver bem, em praticar a virtude e principalmente em se ocupar da filosofia – porque se ela ensina a viver, ensina também a morrer. A mais bela das mortes é aquela que pode ser chamada de separação heroica da vida, mas só conhece a alegria dessa experiência quem viveu com inquietação e curiosidade. Preparar-se para a morte é o contrário de sua negação : é transformá-la numa companhia, tendo-a sempre presente na vida diária, como se fosse um sagrado aprendizado cujo ápice talvez seja submergir num sono eterno, sem nenhum sonho a perturbá-lo.



A morte de Sócrates é um episódio particularmente importante, pois ele teve todas as chances possíveis para safar-se da sentença que lhe foi atribuída por ser contra a democracia ateniense, atacar os deuses impostos pelo Estado e corromper os jovens. Porém, ele não aceitou quaisquer saídas que o fizessem abjurar de suas idéias, aceitando a morte com a placidez com que sempre a encarou em vida.







SÓCRATES E A ARTE DE VIVER - J. C. ISMAEL - AGORA EDITORA - 2004 - 160 PÁGINAS

7 comentários:

  1. Obrigada por me presentear com os 10 ensinamentos socráticos! :)

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  2. Atualizando Sócrates:
    1)-De certa forma, sempre conduzi minha vida a despeito da vontade alheia.
    2)O outro sempre me preocupou, embora as minhas certezas tenham prevalecido sempre, porque preciso viver comigo em primeiro lugar.
    3)-Nos tempos atuais, isto é impossível, porque a inveja e o narcisismo sempre prevalece à amizade verdadeira.
    4)-Concordo plenamente! Se não há reciprocidade e companheirismo não há amor.
    5)-Liberdade é ser consciente de si mesmo e respeitar suas reais escôlhas.
    6)-A culpa vem do cristianismo, onde toda a humanidade foi condenada pela morte
    de um homem que se dizia filho de Deus.
    7)-Essa distinção entre o EU e o OUTRO, se não clara e límpiuda, traz consigo a praga da manada.
    8)- A verdade é algo individual, particular, intransferível, e visa buscar aquilo que nos apazigua internamente. Todas as verdades são questionaveis, assim como as mentiras.
    9)-Este é um ensinamento que foi ignorado por todos esses séculos da humanidade e que hoje em dia, tornou-se o "mote" da existência. TER...TER....Ter
    10)-Apenas na velhice, é possível abraçar a morte com satisfação. Aos jovens, sempre será uma ameaça.
    Sem querer plagiar Sócrates, mas ele é ele, eu sou eu.
    Parabéns pelo aniversário do seu blog.

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    1. É isso mesmo : Sócrates sempre considerou esta perspectiva, tanto que nunca propagou uma doutrina e sempre que quis passar algum ensinamento, o fez com a presença do discípulo e a partir do conhecimento que o discípulo já tinha dentro de si, através da maiêutica. O importante é continuar buscando a verdade dentro de si, tendo a certeza de que jamais a encontraremos de fato, mas que sua busca nos melhora e aperfeiçoa em todos os sentidos.

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    2. Longe de mim me comparar a um homem do porte de Sócrates, apenas gostaria de acrescentar que no mundo atual, apesar de todos os esforços e boa vontade que possamos fazer e ter no sentido de alcançar uma paz interior,o que encontramos é solidão e desesperança. A humanidade sempre caminha para o cáos a despeito das regalias que desfruta hoje em dia comparada aos tempos de Sócrates. Me parece que o jogo é inverso, quanto mais facilidades, menos felicidade. Alguma coisa esta errada no humano! Ser correto não é mais um previlégio daqueles que buscam ser úteis a sí e aos outros, e sim uma burrice que o isola e condena à solidão. Gostaria de saber o que pensa a respeito disso.

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    3. Infelizmente sou obrigado a concordar com você, sobretudo o tocante ao fato que o mundo atual está bem distante do de Sócrates e que vivemos tempos em que mais é menos. Quanto a ser correto conduzir ao isolamento e à solidão, penso que a única alternativa é procurar ser correto consigo mesmo e tolerante com a diferença do outro, pois não detemos a verdade do que "é ser correto", apenas temos a referência do que isto significa para nós - as vezes temos uma referência errada, aprendida de fora e não refletida e atualizada de acordo com nosso próprio ser e nossa vida. Ser tolerante não significa sê-lo com qualquer coisa, nem tampouco abrir mão do que se acredita, mas entender que de fato não possuímos a verdade e que os seres humanos são o que são a despeito de nossos desejos e de nossas idéias de como deveriam ser. Tudo o que podemos fazer neste sentido é nos tornarmos melhores e projetar isto no mundo na expectativa de que nossa semente dê frutos. Perceba que nesses "ensinamentos Socráticos", que não foram escritos por ele, apenas interpretados a partir do que se sabe dele, não há um único que arrogue para si uma verdade moral, mas antes um convite à reflexão tomando a si mesmo como referência - A vida constantemente investigada. Sócrates foi tolerante até o limite em que foi instado a abrir mão publicamente daquilo em que acreditava e isso ele não aceitou. Penso ainda que tentar ser útil a si e aos outros não é uma burrice, embora esta atitude possa não ser valorizada pelas pessoas. Burrice é passar a vida inteira sem ter refletido e agido no sentido de buscar a própria verdade, pois mesmo cercado de pessoas o vazio terminal será imenso.

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  3. Um ótimo material, claro e fácil.
    Obrigado pelas informações de maneira tão clara amigo.

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